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A Substância: envelhecimento e perfeccionismo

  • Foto do escritor: Ricardo Backes
    Ricardo Backes
  • 7 de jun.
  • 4 min de leitura
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"Não há você e ela, há apenas uma", quero usar esse filme para abordar o envelhecimento, mas também as idealizações, o perfeccionismo e nossa busca constante por intensidade, por sempre mais.


O filme concretiza um processo que acontece dentro de nós: nos dividimos em dois, você se divide em como imagina que deve ser e quem você realmente é.


Seja o bom menino, comportado, estudioso ou ainda fuja disso com todas as forças tornando-se o extremo oposto em negação as expectativas, negando ou afirmando as expectativas, ainda sim você foge de si mesmo.


Um remédio, um método, uma substância que permite você se tornar esse ideal, não é isso que muitas pessoas buscam em treinamentos miraculosos de transformação e desenvolvimento pessoal?


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A substância representa o desejo de não ser quem você é, esse desejo de ser o que você idealiza, um ser humano jovem, inteligente, perfeito, desenvolvido, equilibrado, olhe ao seu redor aos seus semelhantes, aqueles que você realmente conhece a fundo, algum deles é realmente tudo isso?


A imagem que você cria nessa expectativa representa o quanto você se afastou da sua própria humanidade, da sua vulnerabilidade, dos seus defeitos, mas também das suas potencialidades, a autoestima se torna um conflito entre o ideal e o possível, entre Sue e Elizabeth.


A substância representa o pensamento mágico e até mesmo infantil de que algum milagre possa fazer com que você jogue fora quem é para viver o ideal que sempre preconizou, se é que foi realmente você que preconizou isso ou seus pais, família ou sociedade.

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Uma é o espelho da outra, a sombra da outra. Elizabeth para Sue representa o futuro, o medo da vida, do envelhecer, das transformações que os anos nos impõe, de um outro ritmo, de novos sentidos, é o medo, o recuo que Sue vê na "velha" Elizabeth.


Já Sue para Elizabeth é seu passado, é quem ela foi, é a vontade de fugir do envelhecimento, e consequentemente medo da morte, o desejo de voltar a ser jovem é a resistência de buscar novos caminhos, novos sentidos, novos ritmos, pois durante toda nossa vida nos transformamos, mudamos e o tempo não volta.


Esse processo que no filme é demonstrado com ela se dividindo em duas pessoas é o que acontece na personalidade quando temos uma neurose, nossa psicologia sofre uma série de reajustes e recomposições com o passar dos anos, e então a atitude de Elizabeth é ao invés de viver seu momento de acordo com os reajustes desejar manter-se sempre igual. Ela poderia ter buscado outros programas, outra profissão até, ou até mesmo se aposentado, viajado pelo mundo, afinal de contas ela está cheia de vida!

Sombra dentro da Psicologia Complexa é o nome que damos a essa tendência que é inibida, Elizabeth inibiu tudo aquilo relativo ao seu presente e seu futuro e viu na substância a oportunidade de não seguir em frente, assim toda a potencialidade da vida é estancada e a pessoa neuroticamente se atém ao passado.


A sociedade não aceita a homossexualidade, então o sujeito homossexual verá dentro de si o conflito de se aceitar ou não e tentará alguma resposta a respeito da homofobia. A sociedade não aceita a morte nem o envelhecimento, então o indivíduo se verá diante da morte e do envelhecimento e tentará resolver isso dentro de si próprio, mas essas questões não deixam de ser um problema coletivo: essa é uma das características da neurose.


Por óbvio que o filme critica a pressão social de sermos sempre jovens, a pressão e violência sobre a mulher, a objetificação da mulher dentre tantas outros assuntos extremamente relevantes, tal é a riqueza do filme.


O perfeccionismo funcionará do mesmo modo, você não aceita seus defeitos nem admite parar, não admite uma pausa, não respeita o próprio ritmo e quer sempre produzir mais que todo mundo, quer o topo e nada menos para que assim possa se sentir seguro, não basta realizar a própria potencialidade, você quer ir além, quer dominar tudo ao seu redor, você quer a substância que permita que você se desfaça de tudo aquilo que te atrasa.


Mas esse é um preconceito seu sobre si próprio, o que você pensa que te atrasa, na verdade pode ser justamente o oposto: aquilo que falta para que você expresse no seu trabalho e nos seus projetos quem você é, aquela coisa única a respeito de você mesmo que você inibe, acha feio porque não se encaixa no seu eu perfeito e ideal.


Dentro da Psicologia Complexa, o método tem a possibilidade de começar a te colocar em contato com o que você desprezou dentro de si mesmo, e esse contato tem a potência de libertar você do seu perfeccionismo, aos poucos, dentro de um processo complexo e trabalhoso, mas possível, real e concreto.


Você pode entender o que te prende, e ao entender isso e levar isso extremamente a sério, isso mesmo, aquelas "coisas da sua cabeça sem importância", quando você leva isso a sério você compreenderá que você vivia sufocado por algo que nunca fez sentido para você.


A personalidade se desenvolve e você simplesmente não precisa mais da substância porque recuperou seus "defeitos", suas vulnerabilidades e voltou a pertencer a humanidade, aquela sensação de cobrança e sufocamento começa a reduzir e você começa a ser mais gentil com você.


É esse espaço de carinho, de alento em que é possível ter compaixão consigo mesmo, gentileza com seus limites, e amor para com suas potencialidades para que assim você se torne quem você é, e seu trabalho e metas expressem exatamente isso ao invés de um ideal imposto ou auto-imposto que nada tem a ver com você.


Um abraço do seu psi, e até a próxima!

Ricardo Sergio Backes Bertuol, Analista Junguiano e Psicólogo CRP 08/32882


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