Medusa: o feminino sombrio nos homens
- Ricardo Backes

- 26 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de jul.

"Venha me ver e você encontrará minha verdade no reflexo" - Tarja Turunen na música Medusa (ouça aqui).
Medusa é um mito complexo, uma sacerdotisa violada por um Deus, e punida por uma Deusa ao ter sido submetida a esta violência em solo sagrado do templo da mesma Deusa que fica furiosa.
Sua condenação: ninguém jamais olhar para a sua beleza, pois fora transformada em uma monstruosidade, uma górgona, quem olhasse para ela seria então petrificado.
"Dance comigo a dança do fogo, sinta nossos mundos colidindo, junte-se a mim em um desejo congelante. A última coisa que você verá serão meus olhos" - Tarja em Medusa.
Certamente é uma crítica pertinente quando se fala sobre o machismo e a injustiça envolvendo esse mito, tanto que temos essa obra abaixo em que é Medusa quem decapita Perseu:

Medusa até hoje mexe com nosso imaginário, desperta emoções, críticas e aqui eu vou abordar isso de uma forma simbólica, ou ao menos tentar.
A Medusa parece ser principalmente a imagem que os homens constroem nas fantasias que fazem sobre a mulher, sobre o feminino.
Em um primeiro momento sentem uma atração tão forte a beleza que se acham no direito de exercer poder, de violentar, de dominar, comandar em uma superioridade imaginária a mulher. Nunca se relacionam com a mulher, com o ser humano que está lá, mas com sua própria fantasia. Esse para mim, seria o primeiro momento do mito, o momento da grande violência.
A outra face do feminino para o homem é esse aspecto aterrorizante e petrificante. O homem demoniza tanto o feminino em si mesmo, naquelas coisas que considera coisas de mulher e desta forma inferiores, que esses aspectos de sua fantasia sofrem distorções. Tudo aquilo que atribui-se culturalmente a mulher, o homem não pode viver porque deixaria de ser homem.
Em homens homoafetivos isso acontece pela repulsa ao feminino e todo homem que eventualmente transgride a norma do masculino tornando-se o que é conhecido popularmente como o afeminado.
Se entendermos a Medusa como uma imagem, uma fantasia e não a mulher concreta, precisamos entender o por que seu fim é a decapitação.
Marie Louise von Franz nos explica no livro motivos de redenção que a decapitação quando em seres humanos expressa um desprendimento, uma capacidade de observação objetiva sobre si próprio seja os impulsos e pensamentos.
Se olharmos o mito de Medusa de modo construtivo, a decapitação dessa imagem monstruosa que o homem faz do feminino lançado na mulher, mas que habita nele mesmo, seria o momento em que ele se pergunta: por que tenho tanto medo do feminino a ponto de ele se tornar uma imagem monstruosa? Por que preciso oprimir e violentar o que remete ao feminino? Por que odeio e tenho repulsa aos homens efeminados?
Medusa pode ser visto como a descrição de um processo inconsciente que os homens tem sobre o feminino, usualmente uma relação problemática e sombria que separa o homem de sua própria natureza, pois a natureza é humana e inclui a vivência de todos os elementos, sejam eles classificados em nossa cultura como masculinos ou femininos.
Enquanto seres humanos podemos nos permitir fazer o que quisermos independente do sexo ou gênero, podemos fazer o que faz sentido. Esse mito nos coloca um forte questionamento.
Observe que se o homem olha para o feminino dessa forma preconceituosa que o torna um monstro, ele fica petrificado e não desenvolve sua personalidade, não se torna capaz de lidar com os elementos femininos dentro dele próprio por negá-lo para tornar-se o homem idealizado socialmente.
O elemento que torna Medusa um monstro é justamente aquele que os homens julgam sobre a mulher não poder viver a própria sexualidade, é o dilema entre o sagrado e o profano. É a incapacidade de decidir viver conforme faz sentido, é o questionamento e dilema moral pessoal, não a simples aderência para com as opiniões coletivas e massificantes.
São exatamente esses mesmos homens que provavelmente vão objetificar a mulher, vendo-a não como ser humano, mas como um meio para o prazer sexual, e vão apenas trocar afeto com outros homens e enxergar a humanidade apenas nos homens. São os mesmos homens que no casamento não conseguem viver a sexualidade, e precisam vivê-la fora de casa no ardil e na mentira causando sofrimento para com suas companheiras ou companheiros.
Quem valorizar demais o sagrado será arrastado pelo profano e não saberá que a relação é muito mais que sexo:
"É uma ideia tola que os homens têm. Eles acreditam que eros seja sexo, mas estão errados. Eros é relacionamento" - Jung
E qual característica é atribuída culturalmente ao feminino que não a relação? As emoções? O cuidado? O pensar no outro? O homem destrói esses aspectos em si mesmo para tornar-se homem como a cultura o ordena para ocupar seu lugar fantasioso de superioridade, torna-se incapaz de se relacionar, é como se esses aspectos destruídos se tornassem a própria Medusa dentro dele mesmo, ele se torna incapaz de olhar e criticar sua capacidade de se relacionar, cuidar, pensar no outro, torna-se individualista e egoísta focado no jogo da conquista em sua masculinidade desequilibrada e tóxica.
Observe que enquanto bela sacerdotisa ela pode representar esse aspecto relacional saudável, mas que é tomado de modo estritamente materialista e reduzido a relação sexual. Os homens confundem relação com sexo, e essa confusão torna cria a incapacidade de se relacionar adequadamente refletida na imagem da transformação de bela sacerdotisa para a horripilante Medusa. A decapitação representa o momento de conscientização, e o fato de que Perseu consegue decapitá-la porque a vê pelo reflexo o que reforça esse processo de reflexão e conscientização.
O reconhecimento do que o homem fantasia sobre a mulher o tornará capaz de se relacionar adequadamente com a mulher concreta fora de si, ao invés de se relacionar com as próprias fantasias do feminino que ele lança na mulher ou sobre elementos femininos.
Olhar diretamente para a Medusa e ser petrificado é falta de reflexão, e por essa falta o homem jamais desenvolve sua personalidade, ou seja, torna-se incapaz de exercer as qualidades do feminino por preconceito, note que feminino enquanto os preceitos culturais dizem, cujo os quais o homem nega para afirmar-se homem.
"O exagerado ideal masculino significa um constante desafio, uma constante incitação, uma inquietude cujos resultados são naturalmente a vaidade, a locupletação, a manutenção da atitude privilegiada; e todas estas coisas são contrárias a uma bem equilibrada vida social" - Adler
Medusa parece ser o retrato desse processo coletivo que ocorre em relação ao feminino. Claro que um mito jamais se esgota em uma interpretação, mas como ele me impactou para pensar em várias coisas, decidi compartilhar essas ideias com você. Preciso reiterar que esse texto não tem pretensão acadêmica, são pensamentos, impressões que venho tendo a respeito desse mito com recortes arbitrários.
Um abraço de seu psi, Ricardo <3
Ricardo Sergio Backes Bertuol
Psicólogo & Analista Junguiano
CRP 08/32882




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